Venda de bebidas para adolescentes ocorre praticamente sem controle no centro de Atlântida



"Se fôssemos fiscalizar, teríamos de evacuar a praça", avalia um policial

Adolescentes fazem da praça central de Atlântida – ponto apelidado de Centrinho – uma festa onde pode tudo. Distantes da vigilância dos pais e desprotegidos por uma fiscalização que não dá conta da demanda, menores de 18 anos abusam do consumo de álcool nas noites de verão.
– Se fôssemos fiscalizar, teríamos de evacuar a praça. Tem muito adolescente consumindo, e muito adulto comprando – admitiu um dos cinco policiais militares que monitoravam a área na madrugada da segunda-feira de Carnaval.
Dezenas de adolescentes formavam rodas para compartilhar as garrafas de vidro – na grande maioria, de bebidas destiladas. Com copos de plásticos, produziam na hora misturas com refrigerantes, ingeridas como se fossem água. Duas amigas de 16 e 17 anos compartilhavam o pouco que ainda restava de rum em uma garrafa.
– Quem comprou foi uma prima – revelou uma das meninas, aparentando embriaguez logo após se levantar da calçada, onde se estirou por alguns instantes.
Carteira de identidade é pouco pedida a jovens
Mesmo com a fiscalização intensificada pelo Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) desde dezembro no Litoral Norte, há estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para adolescentes sem pedir carteira de identidade. Quem garante são os próprios, acostumados com a infração à lei.
– É tranquilo. Só em alguns lugares não nos vendem – relatou um menino de 16 anos, acompanhado de quatro amigas de 15.
Para tentar resguardar-se de denúncias, estabelecimentos comerciais da área instalaram câmeras nos caixas para comprovar que não cometem o crime de venda de álcool para crianças e adolescentes, previsto nos artigos 81 e 243 no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Pelas normas, é proibida a venda e o fornecimento "de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica". Mas essa não é a regra: parte dos comerciantes não respeita a lei.
– Se tiver trocadinho, melhor – pediu a atendente de um minimercado ao cobrar quatro garrafas de Smirnoff Ice de um jovem que não aparentava mais do que 16 anos.
Foi a única solicitação da mulher ao cliente, que nem retirou a identidade da carteira – e ainda levou uma carteira de cigarros.
Risco de exposição a situações de risco
Pela associação de calor e festas, a ingestão de bebidas pode aumentar no verão não apenas entre os jovens, mas também entre os adultos, avalia a psicóloga Eva Maria Fayos Garcia.
– Os adolescentes não podem acessar algumas festas porque são menores, mas que alternativas de divertimento eles têm? Tem de servir de alerta, se não estamos falando de uma geração que está abandonada. Eles estão em fase de experimentação, precisam criar outros vínculos além do familiar, mas ainda necessitam de supervisão – analisa.
Pelos efeitos da embriaguez, adolescentes podem expor-se a situações de risco, como violência sexual e relações sem o uso de preservativo.
O período de férias tende a ser mais crítico devido à ausência das atividades escolares. Segundo o psiquiatra da área de infância e adolescência do Hospital de Clínicas Thiago Pianca, o hábito de pais deixarem os filhos mais "soltos" na praia, pela percepção de maior segurança, deixa-os com controle menor.
– Tem uso de álcool o ano inteiro pelos adolescentes. Na época de férias, pode ser que aumente um pouco por ter mais festas, porque, de maneira geral, eles não bebem sozinho, mas em grupo. Mas os pais, em sua maioria, têm sido liberais em todos os ambientes – alerta.
Desde o fim de 2014, a Polícia Civil visita estabelecimentos do Litoral Norte para alertar sobre a proibição de venda de álcool para adolescentes.
– Se mais pessoas denunciarem, melhor para fazermos o trabalho de investigação. Não posso dizer que essa prevenção terá 100% de resultado, mas acreditamos que possa reduzir – diz a diretora do Deca, Adriana Regina da Costa.
Punição esbarra em interpretação
A punição para quem vende álcool para crianças e adolescentes esbarra na interpretação da lei pela autoridade que atende à ocorrência. Se o enquadramento do flagrante for pelo artigo 243 do ECA, quem cometeu o crime é encaminhado à delegacia e deverá cumprir pena que varia de dois a quatro anos de detenção. Se o entendimento for baseado na Lei de Contravenções Penais – como ocorre na maioria dos casos –, a pessoa assinará um termo circunstanciado e responderá na Justiça.
Por parte da Brigada Militar, o veraneio se despede sem uma única ofensiva à contravenção. Conforme o comandante do Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas da corporação, coronel Almiro Damasio, as ações ocorrem exclusivamente mediante denúncia.
– Alguém foi responsável pelo fornecimento. Ou o estabelecimento cometeu a irregularidade fornecendo, ou algum adulto adquiriu e forneceu. Em ambos os casos, há infração – afirma, reprovando a conduta dos PMs que estavam de plantão na madrugada de segunda-feira e nada fizeram para coibir a venda de bebida alcoólica a adolescentes em Atlântida.
Fonte: Zero Hora - 21/02/2015 | 05h04

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