Depoimento de uma Mãe de Dependente Químico em Recuperação Pós Internação

Filho de 22 anos 05 anos na ativa, 01 ano e 05 meses limpo só por hoje

Parecia um sonho, ou melhor, um pesadelo.  Quando dei por mim, estava no olho do furacão.  Olhei ao redor, procurei aquele garotinho esperto, inteligente, brilhante e não o encontrei.  Quem encontrei  não me pertencia.  Não era meu filho, eu tinha um estranho dentro de casa, que num piscar de olhos meu as coisas sumiam, que saia de casa na sexta e voltava no domingo de noite e não atendia o celular.
E um certo dia, depois de muitas dúvidas, a certeza se fez presente, eu tinha sim, um filho dependente químico, melhor um vagabundo, maconheiro, assim que sempre falei, assim que sempre achei, assim que todos diziam.
Fui em busca de ajuda no Amor Exigente, meu Deus outra realidade, outro mundo, tive que chegar e dizer meu filho usa drogas, que dor horrível, para mim era assinar a minha incompetência com mãe, como educadora.Mais não seigui no grupo, achei que se ele não fosse eu também não precisava ir.
Passei um tempo achando que ele ia parar, pois era adolescente e sem muito conhecimento, achei mesmo que dava para parar sozinho, mais não, a situação foi aumentando, aumentando e aumentando.
Neste período eu estava mais doente do que ele(hoje vejo claramente isso) e no auge de uma crise, resolvi mandá-lo embora pois na minha casa vagabundo não ficava. Lembro como se fosse hoje este triste dia.
E foi assim que com muito sofrimento assumi a dependência química de meu filho.  Eu, que não imaginava o que era isso, que achava que só acontecia com os outros, que criticava aqueles que não tomavam conta de seus filhos que usavam drogas, que não tomavam providências. Eu, logo eu que tudo sabia, que de tudo entendia e que achava que meus filhos tinham recebido a melhor educação. Agora eu precisava gerenciar uma situação e não estava absolutamente preparada para ela. 
Não sabia o que fazer e enquanto eu não sabia o que fazer.Eu, sofrida, amargurada, decepcionada. Eu, esperando por um milagre, permanecia estagnada. “Isso passa”, diziam alguns.  E eu me apeguei a essa “verdade”, para não precisar lidar com a decepção, com a mágoa, com a raiva de ter meu filho escolhido outro caminho. Pensei que longe da minha casa, do conforto do lar, simples mais que tinha tudo que um jovem gostava, internet, TV, comida, refrigerante, ele iria ver o erro que estava cometendo e pararia sozinho.
E os meses foram se  passando e a situação se agravando.  Eu mal sabia notícias dele. Sabia que já havia trocado de emprego umas 3 vezes.As vezes eu falava com ele mais sempre ouvia que estava tudo bem, que estava num novo emprego e que era melhor.E eu com muita dor acreditava, porque no fundo sempre temos esperança que o nosso filho é diferente.
Em meio a tantas dificuldades, tanto tempo sem saber a real verdade da vida dele. Recebi um telefonema que iria mudar nossas vidas ( e eu nem imaginava), chegou o grande dia, o dia da verdade, o dia de tomar uma atitude mais drástica, mais seria.Ofereci ao meu filho a internação em uma Comunidade Terapêutica, ouvi dele um vou pensar e foi  tempo mais longo que já tive(alguns minutos se transformaram em horas) e então eu ouço, eu vou.Nossa foi um mix de sentimentos e pensamentos. Uma correria sem fim até o outro dia, onde então iríamos iniciar um tratamento .Foi a noite mais longa da minha vida.
E chegou o dia de levá-lo, nossa que estranho, eu logo eu, a dona da verdade a sabe tudo, agora teria q assumir mais do que nunca um dependente químico, um dia tenso, as horas não passavam, o local não chegava e o medo, a tensão tomava conta de todos.
E lá chegamos, nossa lembro como se fosse hoje, uma  outra realidade, um outro mundo onde eu jamais pensei conhecer , nunca imaginei estar numa situação destas. Mas o momento me pedia frieza, calma para tomar as decisões corretas. Tudo explicado, esclarecido, resolvido, hora de voltar mais voltar sem ele.Nossa não tive com conter e as lágrimas tomaram conta de mim e dele e ouvi” esse será o último choro de tristeza da tua mãe”. E até hoje está sendo verdade. Ali deixei meu filho e depositei minha esperanças que tudo poderia ser diferente.  E realmente foi, pois senti que podia confiar nas pessoas que lá estavam.  Senti o empenho para que o tratamento surtisse efeito. 
E assim meu filho permaneceu internado.  O tempo? Isso para nós não pode contar.  Me baseava somente em seu comportamento, em sua conscientização da doença e de sua real proposta de mudança.
Meu mundo caiu mesmo quando cheguei em casa, parece que aí sim assinei a dependência do meu filho, dias tristes, escuros, muitos escuros, fiquei um tempo trancada em casa com a minha dor, com o meu luto, só a minha religião me tirava de casa.O medo, a vergonha, o desconhecido, a falta de conhecimento, a revolta,  tomou conta de mim.Tinha muito medo que ele fugisse e eu nunca (ou por um bom tempo) não tivesse notícias dele.Mais um certo dia uma pessoa me disse que o meu amor de mãe é que ajudaria meu filho.Então acordei, resolvi então tomar alguma atitude, pois eu tinha que estar forte, firme para ajudar meu bem mais precioso.

E foi o que fiz, levantei, abri casa, agradeci a Deus, por tudo, agradeci aos amigos que me ajudaram (e ainda ajudam) e fui a luta. Fui me fortalecer, lembrando sempre que Deus jamais nos dá fardos mais pesado (hoje eu vejo que isso realmente é verdade, se alguém dúvida, mude logo seu pensamento), esta máxima virou meu lema pois nos momentos de tristeza era isso que eu falava para mim mesmo.
Busquei saber mais do que eu já sabia sobre drogas porém olhando com outros olhos, como é diferente você estudar, conhecer e falar de algo quando você vive aquilo. Aprendi que muita coisa que li e estudei por anos, não era muito aquilo não, mais não me abalei, segui estudando, buscando saber cada vez mais. O grupo de Amo Exigente foi e é meu aliado até hoje, fez uma grande  diferença, pois lá aprendemos a lidar com a situação, a conhecer mais sobre dependência química e tudo o que envolve essa situação que destrói tanto a vida do dependente como a das famílias.
O tempo foi se passando, o tratamento foi seguindo(09 meses de tratamento, uma gestação) e eu me fortalecendo cada dia mais para o dia que ele viesse para a casa dele de novo. Começamos mesmo longe e nos vendo uma vez por mês, a viver uma nova vida, um novo laço estava se formando. A ansiedade fazia parte de mim (e ainda faz).O amor exigente era minha armadura, a conversa com pessoas iguais a mim e com os responsáveis pela Comunidade aliada as minhas leituras, me fortaleceram.
O tempo passou, hoje meu filho está limpo, está a mais de 01 ano e 05 meses limpo, está vivendo a vida dele, se esforçando diariamente para se manter de pé. Eu fico ainda insegura pois vivemos longe, mais ao mesmo tempo, fico feliz pois hoje temos um vínculo lindo, conversamos, dialogamos sem brigas.
Posso dizer, que sua recuperação deveu-se em grande parte a dedicação dos monitores, padrinho que lá estavam, ao empenho e principalmente, por acreditar que ele poderia fazer diferente, que poderia se transformar, retomar sua vida.  Por um tempo ele trabalhou na Comunidade Terapêutica, dedicando-se a outros Dependentes Químicos, que como ele,  chegaram lá, sofridos, sem esperança e sem vontade de continuar a viver. Com certeza o querer dele é o fator determinante pois a eficácia do tratamento se dá a partir do momento que o dependente quer sair do mundo das drogas.
Ainda estamos aprendendo a viver um com o outro, a viver esta nova vida, uma vida muito diferente para todos,  muitas mudanças aconteceram em nossas vidas e acontecem todos os dias, pois a cada dia aprendo mais,a cada dia é um novo dia .
Como aprendi neste tempo todo, hoje vivemos um dia de cada vez, só por hoje estamos em pé, com força, fé e alegria.
Hoje tenho a confiança que todos podem vislumbrar um futuro, que as drogas não são o fim, mas sim a oportunidade  de um recomeço, já que o impulso para o uso foi um vazio existencial muito grande.   Para isso é necessário que a estratégia de abordagem terapêutica seja a mais acertada possível, que o paciente se envolva no tratamento e que queira abandonar o vício,  que a família se conscientize da doença de seu Dependente Químico e siga as orientações da Clínica/Grupo de Apoio e Terapeutas e finalmente, que todos busquem com mais determinação sua espiritualidade.
Hoje agradeço muito tudo que aconteceu e acontece porque foi nosso maior instrumento de crescimento. Conheci novos amigos, tenho uma nova família e a minha família carnal que já era unida se uniu mais ainda.
A você que agora lê esse depoimento, acredite que vai dar certo. O primeiro passo já foi dado. Você está buscando ajuda.  Sozinhos não  conseguimos.  Juntos  somos mais fortes.

Outubro de 2014

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